SILÊNCIO
ASSASSINO
Não há especialista em
psicologia que explique a morte de uma criança que vai até a polícia pedindo
ajuda e, mesmo assim, morre assassinada. Também não há linha de raciocínio que
justifique aquela barbárie do massacre na escola em Realengo, no Rio de
Janeiro. Nem mesmo palavras que possam fazer algum sentido diante da dor das
famílias envolvidas. Mesmo assim os oportunistas de plantão esboçam suas
teorias conspiratórias: era um louco, um radical religioso, um ateu, um
terrorista, um machista que queria matar menininhas e um monte de outras
baboseiras.
O massacre foi provocado por
um jovem esquizofrênico sem acompanhamento médico, sem família e sem ninguém
para orientá-lo. É de suma importância realçar esse ponto, pois o preconceito
contra os esquizofrênicos é grande e está aumentando por causa da
superficialidade das entrevistas de muita gente despreparada. Uma pessoa com
esquizofrenia se estiver medicada e acompanhada pode levar vida normal a ponto
de ninguém suspeitar de sua condição. Outro
ponto importante a ser realçado é que a justificativa que o assassino deu é de
que havia sido vítima de bullying. O que é bem provável, no entanto é preciso
cuidar para não aceitar isso como algo coerente. Não é. Se isso fosse justificativa
para tal ato de loucura, outros “malucos” poderiam achar que têm o direito de
fazer a mesma coisa por terem sofrido bullying. Infelizmente alguns veículos da
mídia têm mencionado tal justificativa e ninguém reage. Aceitam!
Vamos relembrar a definição
de bullying: são atitudes de um sujeito, ou um grupo, que intencional e
sistematicamente provoca dor física ou moral em alguém. Traumas são construídos
e vidas são afetadas. As vítimas sofrem durante anos e muitas acabam tendo
problemas emocionais pelo resto da vida.
Outras violências, além do
bullying e igualmente condenáveis têm acontecido em nosso país: aluno atira em
professor; professora apanha de aluno; adolescentes brigam até sair sangue;
assassinatos de crianças; pais que matam seus próprios filhos atirando-os pela
janela ou aplicando-lhes algum tipo de injeção letal, desvio de verba de
merendas das crianças; violência doméstica; falsificação de remédios...
Essas desgraças podem ser
evitadas? É possível proteger nossos filhos disso tudo? O bullying pode ser
detectado? Na maioria dos casos, creio que é possível sim!
Um aluno vítima de bullying
muda seu comportamento em casa e na escola. É visível, isso não fica escondido.
Os sintomas aparecem, mas, em geral, nada é feito! Os colegas de turma sabem
quem ataca, provoca ou machuca outras crianças, mas muitas vezes, por medo,
nada fazem. Alguns professores presenciam brigas fora da escola e dizem: “não é
problema meu, já estou fora do ambiente de trabalho”.
Vizinhos ouvem os gritos de
crianças, mas não denunciam os agressores, normalmente parentes delas.
A mulher apanha do marido e
o povo tem coragem de dizer: “em briga de marido e mulher ninguém mete a
colher”. E ela sofre sozinha, desamparada, na companhia da surdez dos vizinhos.
Em todos esses casos, há um
fator comum: o silêncio das testemunhas. O silêncio é parceiro da morte, da dor
e da transgressão. É preciso mudar! Precisamos, como cidadãos, nos mobilizar
para diminuir agressões como estas. Principalmente nas escolas! Toda a
comunidade escolar, pais, alunos, funcionários e professores precisam agir
contra a violência, contra o bullying, contra a agressividade gratuita e o
desrespeito. Mas isso não se faz com passeatas de pessoas vestindo camisetas
brancas com frases estampadas dizendo “queremos paz” ou “queremos justiça”.
Manifestações como estas, apesar de louváveis e compreensíveis, não mexem nas
causas. Não sensibilizam nenhum político. É preciso mais, é preciso chegar
antes da agressão, interceptar seu caminho “natural”, prevenir, conscientizar,
construir valores humanos fundamentais como o respeito, a solidariedade, regras
de convivência, o próprio amor e tantos outros. Não basta remediar. Não basta
punir. A coação não gera conscientização, ao contrário, desperta a revolta e
suscita a vingança contra aquele que denunciou (muitas vezes a própria vítima).
Quando uma escola localiza
uma criança vítima de bullying, na melhor das hipóteses, chama os pais para que
ela receba apoio emocional e todos cuidam dessa criança. Mas quem lembra dos
agressores? Normalmente são apenas punidos e rotulados por toda a vida escolar
que lhes resta. É hora de mudar. Precisamos educá-los, ajudá-los a mudar sua
percepção sobre si mesmos e o mundo à sua volta, pois são crianças em formação,
adolescentes que ainda podem ter uma “chance” na vida. Se punição fosse
educativa, ex-presidiários seriam exemplos de comportamento na sociedade.
Ao invés de investir em
punição, os jovens precisam ter alternativas saudáveis como esportes, música,
dança, teatro e outras atividades culturais oferecidas pelo estado, que tem por
dever o bem estar social. Quando isso não acontece, muitos desses jovens são
arrebanhados para as fileiras do tráfico, e a guerra fica cada vez mais
difícil. Vale lembrar que uma ação simples já tem dado excelentes resultados:
investir em esportes. Quando os jovens estão envolvidos com a prática de
esportes, além do investimento em saúde física e na qualidade dos
relacionamentos resultado da convivência intensa, eles estão num ambiente muito
mais rico quando ao nível das interações. Panelinhas, grupos fechados,
preconceito e outros comportamentos são logo detectados pelo professor de
Educação Física. Esse profissional tem oportunidades de ouro para aprofundar o
vínculo que tem com os alunos e ser um articulador anti-bullying e um promotor
da paz. Novamente, insisto, também esse professor necessita de formação mais
aprofundada na psicologia dos relacionamentos e apoio tácito quanto à
organização de campeonatos ou outros eventos esportivos. O ambiente esportivo
propicia o crescimento das boas atitudes e posturas, além de facilmente
evidenciar as más. Em ambos os casos, a importância do professor de Educação
Física agir de forma proativa é fundamental. Uma cidade que não investe nos
esportes acaba abrindo espaço para mais adolescentes infratores.
O Estado não pode ser
conivente com o crime. A sociedade tampouco!
Professores precisam ser
apoiados e fortalecidos ao invés de serem processados por danos morais ao
chamarem a atenção dos “fofuchos” indisciplinados. A acusação frequente é a de que
o professor humilhou publicamente o protegido do papai, mas ninguém lembra da
humilhação que o professor sofreu diariamente por meses, ou até anos, através
da desobediência e desrespeito às suas funções ou até mesmo à sua pessoa.
Há muita coisa errada e
muito trabalho a ser feito para corrigir os valores da sociedade. A escola tem
sido sacrificada e espera-se dela que mude a vida dos adolescentes sem rumo. No
entanto ela própria é que precisa de ajuda. Os professores estão abandonados,
sozinhos, humilhados por salários ínfimos e pela falta de respeito da sociedade
que cobra e não lhes dá nada em troca. Pedem deles formação continuada, que
participem de congressos, que aprendam psicologia do comportamento e tantas
outras exigências. Eles não conseguem nem ao menos comprar um livro, pois
precisam investir seus baixos salários na própria sobrevivência.
E diante de tudo isso, o
bullying e suas consequências estão presentes e precisam ser combatidos. Os
alunos, a família, os funcionários, todos precisam se envolver para construir
as soluções. Mas a escola precisa ser apoiada e não acusada como a mídia tem
deixado escapar: “é preciso mais segurança nas escolas; os professores precisam
estar mais atentos; câmeras de vídeo precisam ser acompanhadas”. Num programa
de TV pude ver um repórter perguntar a um policial: “se houvesse um policial em
cada escola isso dificilmente teria acontecido, não é?”. E felizmente a lucidez
do policial foi maior: “Isso não resolveria! Se houvesse um policial lá, teria
sido a primeira vítima do assassino”. Há
uma profunda falta de cuidado na transmissão de mensagens errôneas nesse caso e
em tantos outros que envolvem comportamentos violentos.
A sociedade está doente.
Entretanto o que vemos
diante de todos esses problemas citados? O silêncio. A inércia. As palavras que
“explicam”, mas não trazem soluções, não previnem.
O silêncio vai tomando conta
de todos nós, das escolas, da sociedade. É o silêncio dos vizinhos da esposa
agredida. Dos amigos do aluno vítima de bullying. Da sociedade que há tempos vê
que seus professores estão abandonando a educação por medo de serem mortos por
alunos violentos. Silêncio dos legisladores que conhecem os procedimentos
injustos que libertam criminosos e não fazem nada para mudar tal burocracia.
Silêncio do estado que investe pouco na carreira do magistério mesmo sabendo
que, com tantas famílias inadequadas, o professor é o último recurso para
educar os jovens. Silêncio... Silêncio assassino.
Marcos
Meier é psicólogo, professor, escritor e palestrante nas áreas
de educação de filhos, formação de professores e gestão de equipes. Contatos
pelo site www.meiererolim.com.br Suas obras se encontram no site www.kapok.com.br