Peso ou enfeite?
O
sujeito era um famoso engenheiro civil, bem sucedido. Proprietário de uma
construtora. Gostava de valorizar pessoas trabalhadoras. Tinha muitos amigos
importantes: políticos, empresários e um pedreiro. Isso mesmo: um pedreiro. O
pedreiro era uma pessoa simples, de bom coração e muito eficaz na arte de
assentar tijolos. Às vezes, passavam algum tempo juntos após o horário,
conversando sobre a vida e sobre detalhes dos acabamentos. Gostavam de ir a uma
lanchonete na esquina, próxima à construtora para tomar um café e ficavam ali
trocando ideias.
Certo dia o pedreiro trouxe uma notícia que iria mudar para
sempre a situação patrão-empregado. Ele abrira sua própria empresa de reformas
e não trabalharia mais naquela construtora. A notícia foi triste por um lado,
mas muito boa por outro, pois o engenheiro ficava feliz em perceber o sucesso e
o crescimento de seu amigo. No dia da despedida, foi organizada uma pequena
cerimônia, um coquetel para que a construtora pudesse homenagear seu
funcionário que durante tanto tempo havia investido seu trabalho nas obras e o
fizera com tanta presteza. Nesse momento, o pedreiro buscou sua
“colher-de-pedreiro”, lavou-a e disse a todos: “Quero dar essa colher ao meu
melhor amigo, ela foi do meu pai, o cabo foi feito com a madeira de uma
laranjeira que ficava no fundo da minha casa. Ela é especial para mim. Todas
vezes que eu a uso, lembro de papai, da minha infância, dos meus irmãos
correndo no quintal em volta da laranjeira”. E entregou-a ao engenheiro.
Emocionado, o engenheiro agradeceu e disse a todos que faria um gesto igual. Foi
até o carro e trouxe sua calculadora ultramoderna presenteando-a ao pedreiro
dizendo: “agora que você vai ser
empresário, vai precisar calcular seus lucros, que espero que sejam muito grandes”.
Despediram-se com um abraço. Teriam chorado, mas o ambiente não facilitava. Tempos
depois, o engenheiro foi visitar a empresa de reformas de seu amigo pedreiro e
viu a calculadora sendo utilizada como peso para papéis. Ele riu e falou: “você
usa a melhor calculadora do mercado como peso de papéis?” Era realmente estranha a situação. Um
objeto da alta tecnologia sendo utilizado apenas como peso. O pedreiro, com ar
de quem estava envergonhado, disse: “me perdoe, amigo, mas não tenho tantas
contar para fazer e quando preciso, uma calculadora simples dá conta do recado.
Essa que você me deu é fantástica, mas pra mim que sou simples, é muito
complicada. O engenheiro riu quando lembrou que a colher que ele próprio havia
recebido tinha sido lixada, pintada e servia como enfeite em uma prateleira em
seu escritório. Nenhum dos dois objetos estava sendo utilizado em suas funções
originais. Não haviam sido fabricados para o que estavam “fazendo” atualmente.
Perderam o valor inicial, não serviam para mais nada além de “peso” ou de
“enfeite”. Por mais que o pedreiro diga que a calculadora está sendo útil, ela
não está sendo usada como calculadora, apenas como peso. Mesmo que o engenheiro
afirme que o destino da colher é nobre, ela não está sendo útil como colher.
Essa
história me faz pensar na minha função como professor. Qual é realmente nossa
função? Antigamente era ensinar. Hoje sabemos que não basta. A real função de
um professor, a única forma de ser útil e de se realizar como profissional é
fazer aprender. Se um professor não faz aprender, serve apenas como peso,
talvez um peso na vida de seus alunos. Se um professor não promove a
aprendizagem, talvez esteja sendo apenas enfeite. Pode até ocupar espaço na
escola, na sala de aula, ou na vida de seus alunos... mas de nada serve. Não há
boa intenção nem bom coração que possam superar o sentimento de realização de
sermos o que realmente somos: provocadores da aprendizagem. Isso nos realiza.
Marcos
Meier é professor, psicólogo, escritor e palestrante. Suas obras se encontram
na loja virtual www.kapok.com.br
4 comentários:
Mto bem colocado!
Ótimo texto!! Como sempre, alías.
Paula
Lindo texto querido ;)
Beijo.
Nina
O texto me chamou pelo título... e sem dúvida me prendeu até o fim pela verdade em cada palavra, em cada construção dos sentidos...Amei.
Obrigada pela enorme colaboração.
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