sexta-feira, 8 de abril de 2011

MATÉRIA PUBLICADA NA FOLHA UNIVERSAL


Mentir é preciso?
Por Raquel Maldonado
Abril, 2011.

Quem nunca mentiu que atire a primeira pedra. Segundo um estudo norte-americano, cada um de nós conta uma mentirinha a cada 8 minutos e ouve cerca de 200 ao longo do dia. Seja para poupar alguém de um sofrimento, para escapar de um apuro ou até para recusar um convite, todos nós, pelo menos alguma vez, já lançamos mão deste artifício. Segundo especialistas, a mentira não é necessariamente ruim nem algo exclusivo de pessoas sem escrúpulos.

Às vezes, inclusive, ela se faz necessária para harmonizar as relações do dia a dia. “Todo mundo mente. A maioria das mentiras que contamos, porém, é mentira funcional,que serve para evitar conflitos no cotidiano. Algumas vezes a verdade é insuportável e ser sincero o tempo todo pode ser inconveniente e magoar as pessoas”, afirma o psicólogo Marcos Meier.

Ele conta a história de uma paciente que ilustra bem esta situação. Segundo o psicólogo, a mulher tinha feito um curso de sensualidade para agradar o marido e decidiu fazer um strip-tease utilizando a teoria aprendida nas aulas. Durante a dança, ele começou a rir muito e ela perguntou o que havia de errado. O marido respondeu que não era nada, mas que ela estava parecendo um lutador de sumô (tradicional luta japonesa praticada por homens obesos). “Neste caso, por mais que ele estivesse mesmo achando isso da esposa, nunca deveria ter dito algo assim, pois ela acabou ficando muito magoada e desmotivada. Faltou um pouco de sensibilidade. Por isso, nem sempre a verdade precisa ser dita. O segredo é usar o bom senso”, analisa Meier.

Mas existe quem abusa da mentira e acaba prejudicando outras pessoas. O caso do ator brasileiro Mário Gomes é um exemplo dos efeitos da difamação. Na década de 80, quando estava no auge da fama, uma mentira sobre a sua sexualidade acabou abalando sua carreira. Segundo ele, após o boato, nunca mais lhe foi oferecido um papel de destaque na televisão. “A mentira pode até começar de forma inocente, mas pode caminhar para a calúnia e a difamação”, alerta Rubens Wajnsztejn, professor de Neurologia da Faculdade de Medicina do ABC, na Grande São Paulo. Ele afirma ainda que quem tem a mania de inventar fatos e distorcer a realidade pode desenvolver uma patologia chamada mitomania, que é quando a pessoa começa a mentir de forma compulsiva e a sentir prazer nisso. Neste ponto, já não existe um propósito e qualquer coisa é motivo para inventar. “Os mitômanos se envolvem tanto nestas histórias que acabam acreditando nelas como se fossem a realidade”, alerta o especialista em neurologia.

Esse pode ser o caso de um dos mentirosos mais famosos do Brasil, o paranaense Marcelo Nascimento da Rocha, que usou 16 identidades falsas, entre elas a do filho do dono da companhia aérea Gol, para se dar bem. Inventando histórias de forma descarada, ele conseguiu enganar celebridades e dar vários golpes, até que finalmente foi preso em 2001 – ele ainda cumpre pena no Presídio Central de Cuiabá (MT). Sua história, que já foi contada no livro “Vips: Histórias reais de um mentiroso”, estreou no cinema na semana passada com Wagner Moura no papel principal.

O estudante Paulo*,de 26 anos, também é um mentiroso de carteirinha. Ele diz que mente na hora da paquera, para justificar o atraso no trabalho ou as faltas na faculdade, para entrar numa conversa e até para se gabar na frente dos amigos. “Eu não gosto de ficar deslocado nas rodas de conversa, então, invento uma coisinha aqui, outra ali, só para interagir”, admite.

De acordo com o professor de Neurologia da Faculdade de Medicina do ABC, a hora de se preocupar é quando a criança mente sem parar. “Normalmente elas inventam coisas e fantasiam muito, mas trabalho com duas que, mesmo sabendo que serão desmascaradas, continuam mentindo. Elas não se inibem e não se sentem sem graça diante das provas. É como elas tivessem uma compulsão pela mentira.

 

Nestes casos, é muito importante a ajuda de um profissional para que isso não se agrave no futuro”, afirma. Segundo Wajnsztejn, o comportamento destas crianças não deve ser aceito como normal e pode indicar que elas sofrem de um distúrbio psicológico conhecido como transtorno de conduta, onde os sinais mais comuns são roubo, furto, mentira, maus-tratos a animais e agressividade em excesso. “É claro que o diagnóstico deve ser feito por um especialista e não quer dizer que toda criança que demonstre eventualmente algum destes sinais tenha este quadro”, pontua.

 

O médico afirma que 40% dos transtornos de conduta evoluem para o quadro de transtorno de personalidade antissocial – que engloba os sociopatas e os psicopatas. Já 90% dos adultos nesta situação tiveram transtorno de conduta na infância ou na adolescência.

 

Ele conta que uma vez pediu o carro da mãe emprestado e ela só o autorizou a dar uma volta pelo bairro.Ele, porém, pegou a estrada e foi para o litoral.

A mãe não desconfi ou de nada até que, meses depois, chegou uma multa. “Ela me perguntou onde eu tinha ido naquele dia e eu disse que fiquei andando perto de casa. Ela voltou a perguntar e eu mantive a versão. Daí ela me mostrou a multa e me obrigou a pagar. Perdi R$ 98 e ouvi o maior sermão”, lembra.

 

Segundo os especialistas, o acompanhamento emocional nestes casos é importante para descobrir o que está por trás deste hábito. “Às vezes, o motivo pelo qual a pessoa desenvolveu a mania de mentir compulsivamente é muito mais grave do que a própria mentira”, conta Wajnsztejn. A baixa autoestima e a dificuldade de aceitação são apontadas pelos especialistas como fatores de risco.

Pode desencadear outros transtornos, como a depressão e o isolamento social, uma vez que é comum as pessoas se afastarem quando percebem que alguém mente muito. “A perda do emprego também é frequente nestes casos”, pontua Meier. Normalmente o tratamento é feito com psicólogo e, às vezes, com psiquiatra, quando há necessidade de medicamento.
O segurança Rogério*, de 33 anos, é outro mentiroso assumido. Ele relembra que uma vez chegou a ser preso por conta de uma mentira que contou para escapar de uma enrascada. “Fui parado pela polícia e fiquei com medo de ir para a cadeia porque levava comigo um pouco de droga. Então, decidi dar um nome falso. O problema é que o nome que eu dei era de um homem que estava sendo procurado por homicídio. Na hora eles me algemaram. Foi horrível ter de desmentir toda a história para o delegado.

 

Ninguém acreditava mais em mim e acharam que meu RG era falso, até que eles analisaram as minhas digitais e constataram que eu não era aquela pessoa. O delegado me deixou ir para casa, mas não antes de me deixar de castigo lá por 48 horas”, conta. De acordo com uma pesquisa alemã, os homens mentem com mais frequência que as mulheres.

 

Enquanto sete em cada dez mulheres afirmaram que tentam não mentir, seis em cada dez homens disseram fazer o mesmo esforço. Eles também se incomodam menos quando são desmascarados: enquanto 29% dos homens disseram não se importar, 18% das mulheres responderam o mesmo. Coincidência ou não, durante 1 hora e 30 minutos em que a reportagem passou nas ruas de São Paulo colhendo depoimentos sobre mentiras, nenhuma mulher assumiu mentir, nem mesmo eventualmente.


No mundo da fantasia

A infância é a fase onde a mentira parece estar mais presente. Existem diferentes tipos de invenções e motivos pelos quais as crianças inventam histórias. Um dos mais comuns é para se proteger de uma bronca. “Normalmente, quando os pais são muito rígidos, as crianças negam que tenham feito determinada coisa, como quebrar um objeto, para escapar da punição”, afirma a psicóloga infantil Beatriz Tupinambá.Segundo ela, ao perceberem este tipo de situação, os pais devem conversar com os filhos para mostrar que as mentiras têm consequências e devem impor os limites.

 

A psicóloga também alerta os pais a não confundir fantasia com mentira. “As crianças têm uma imaginação incrível. Elas são incentivadas a fantasiar, pois ouvem todos os dias histórias e contos de fada em que existem animais que falam, bruxas e fadas. Os pais não precisam se preocupar com isso, pois aos poucos a criança irá começar sozinha a diferenciar o que é fantasia da realidade”,completa.



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