sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Vovós plantam maconha:


Colheita da morte.

E disse o New York Times[1]: vovós colhem a maconha que plantam. Na Suazilândia, vizinha da África do Sul, as vovós estão numa situação amaldiçoada: seus filhos estão morrendo por causa da AIDS e deixam pra trás uma gigantesca prole de netinhos famintos.
Plantai repolho ou milho, frutos da terra que recebestes como herança. Impossível, os babuínos roubam tudo. Como os macacos não fumam, o jeito é plantar a erva. E a erva será trocada por comida. E a polícia lhes será problema. Ela não quer saber das oito boquinhas resultantes do inevitável “crescei e multiplicai-vos”. Vovós não comem marijuana, precisam vende-la.
Os netinhos não sabem o que fazer. Não entendem porque suas vovós precisam plantar escondido em clareiras no meio do mato e porque a polícia não lhes dá comida, apenas tocam fogo no que a vovó, com o suor do seu rosto, plantou.
Dona Makhazin tem oito barriguinhas para dar-lhes do fruto da terra. Esperava poder descansar e ser cuidada pelos filhos que honrariam pai e mãe.
Mas o anjo da morte não colhe repolhos nem milho nem maconha. Colhe jovens casais portadores do HIV. Levou suas duas filhas e seus dois genros. Não as crianças, pois ainda não se contaminaram pelo fruto do pecado. Nem a vovó que há tempos não morde mais a maçã.
A polícia já profetizou: da próxima vez que tiver que queimar uma plantação, a levará para a cadeia. Dona Makhazin deseja levar os oito esqueléticos com ela. Talvez na cadeia haja luz, pão e água.
Mas a polícia não recolhe famintos. Nem vovós de bom coração. Nem dá a outra face. Ela quer os traficantes, os atravessadores. E vai voltar de surpresa.
A senhora de cabelos brancos mudou-se para mais longe, onde a polícia não sabe chegar. Nem os repolhos, nem o milho. Só chega a vontade de escapar da colheita da foice negra.
E a vovó começa a plantar. No meio do mundo. No meio de uma clareira. No meio do pó. No meio do nada.

Marcos Meier é psicólogo, escritor e palestrante. Contatos pelo site www.marcosmeier.com.br  Seus livros se encontram no site:  www.kapok.com.br


[1] Notícia reproduzida no Jornal Diário do Comércio, pág. 11. De 28 de agosto de 2012.

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