Colheita da morte.
E disse o New York Times[1]: vovós colhem a maconha
que plantam. Na Suazilândia, vizinha da África do Sul, as vovós estão numa
situação amaldiçoada: seus filhos estão morrendo por causa da AIDS e deixam pra
trás uma gigantesca prole de netinhos famintos.
Plantai repolho ou milho, frutos
da terra que recebestes como herança. Impossível, os babuínos roubam tudo. Como
os macacos não fumam, o jeito é plantar a erva. E a erva será trocada por
comida. E a polícia lhes será problema. Ela não quer saber das oito boquinhas
resultantes do inevitável “crescei e multiplicai-vos”. Vovós não comem
marijuana, precisam vende-la.
Os netinhos não sabem o que
fazer. Não entendem porque suas vovós precisam plantar escondido em clareiras
no meio do mato e porque a polícia não lhes dá comida, apenas tocam fogo no que
a vovó, com o suor do seu rosto, plantou.
Dona Makhazin tem oito barriguinhas
para dar-lhes do fruto da terra. Esperava poder descansar e ser cuidada pelos
filhos que honrariam pai e mãe.
Mas o anjo da morte não colhe
repolhos nem milho nem maconha. Colhe jovens casais portadores do HIV. Levou
suas duas filhas e seus dois genros. Não as crianças, pois ainda não se
contaminaram pelo fruto do pecado. Nem a vovó que há tempos não morde mais a
maçã.
A polícia já profetizou: da
próxima vez que tiver que queimar uma plantação, a levará para a cadeia. Dona
Makhazin deseja levar os oito esqueléticos com ela. Talvez na cadeia haja luz,
pão e água.
Mas a polícia não recolhe
famintos. Nem vovós de bom coração. Nem dá a outra face. Ela quer os
traficantes, os atravessadores. E vai voltar de surpresa.
A senhora de cabelos brancos
mudou-se para mais longe, onde a polícia não sabe chegar. Nem os repolhos, nem
o milho. Só chega a vontade de escapar da colheita da foice negra.
E a vovó começa a plantar. No
meio do mundo. No meio de uma clareira. No meio do pó. No meio do nada.
Marcos Meier é psicólogo, escritor e palestrante. Contatos pelo
site www.marcosmeier.com.br Seus livros se encontram no site: www.kapok.com.br
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