PROFESSORA, POSSO BRINCAR?
O menino de seis anos de idade
diz à professora: “Professora, depois que eu terminar isso, posso brincar?” E
recebe como resposta uma desculpa do tipo: “Não, meu querido. Aqui no primeiro
ano, a gente só brinca no recreio.”
Fico imaginando a tristeza, o
desânimo, a falta de vontade de continuar as “atividades escolares” propostas
diariamente pelo currículo. Esse diálogo não aconteceu somente uma vez, nem com
apenas uma criança. Ele é diário, no país todo. O que anda acontecendo? Por que
tanta tristeza?
Há alguns anos uma lei federal
instituiu o Ensino Fundamental de nove anos. O que eram oito séries
transformou-se em nove. Criou-se mais um ano obrigatório no início da
escolaridade. Agora, em vez de entrar na escola com sete anos de idade,
entra-se com seis (em alguns estados brasileiros, com cinco anos, por força de
artimanhas judiciais). Eram quatro séries iniciais (muito antigamente chamadas
de “primário”) que se transformaram em cinco. A ideia foi boa: colocar as
crianças na escola um ano antes e dar a elas a chance de aprender os conteúdos
em mais tempo. Mas o que aconteceu? Muitas escolas não entenderam. Muitas
professoras receberam a novidade goela abaixo sem oportunidade para o diálogo e
sem tempo para adaptações. A grande maioria das alfabetizadoras foi “empurrada”
para salas de aula com crianças de seis anos, só que elas não têm a formação
das professoras especialistas em Educação Infantil. Não foram preparadas para
criar atividades adequadas, instigantes, criativas e deliciosamente cativantes
para crianças de cinco ou seis anos. Fazem
com muito carinho e dedicação o que aprenderam: alfabetizam. Introduzem as
crianças no mundo da leitura e escrita com as técnicas adequadas para crianças
de sete anos de idade. Em alguns casos, nem ao menos são técnicas atuais e
científicas, são as que aprenderam a usar. Usam métodos que forçam as crianças a
repetir ações mecânicas de baixíssimo nível de abstração.
Se em boa parte das escolas
brasileiras as aulas das séries iniciais já eram massacrantes, apáticas,
desmotivadoras para crianças de sete anos, imagine para as de cinco.
Logo veremos aumentado o número
de crianças que não gostam de estudar, que desistem da escola, que aprendem a
copiar do quadro negro e a reproduzir pensamentos e ideias alienígenas, não
debatidas, num bovino movimento de aceitação passiva. Ingressarão no Ensino
Médio e facilitarão o trabalho dos professores que não precisarão aprofundar
nenhum conteúdo, apenas registrá-los no quadro negro de forma integral ou
resumida caso o texto já tenha sido entregue de forma impressa. Depois dizemos:
nosso povo não luta por seus direitos. Nunca aprendeu.
O que fazer para mudar esse
quadro? Recomeçar! Precisamos urgentemente de um novo currículo para a educação
básica. Parabéns ao MEC que já está fazendo isso em relação ao ENEM. Se este
exame diminuir a quantidade de conteúdos cobrados nas provas fará com que as
escolas do Ensino Médio (antigo segundo grau e ainda mais antigo “científico”)
mudem suas aulas. Em vez de derrubar sobre os alunos particularidades insossas
sobre conteúdos inúteis, haverá mais tempo para ensinar, de várias formas
possíveis, o conteúdo necessário e realmente importante de cada disciplina. Da
mesma forma, o ensino fundamental aproveitaria melhor suas aulas, criaria
atividades diferenciadas e adequaria seus conteúdos respeitando-se a faixa
etária dos alunos.
E, por favor, não joguem a
responsabilidade sobre as costas das professoras alfabetizadoras de, sozinhas,
recriarem o currículo e o método de ensino. É preciso um trabalho de equipe.
Equipe multidisciplinar. Chamem-nas, mas chamem também os educadores,
psicólogos, sociólogos, antropólogos, matemáticos, linguistas, professores de
todas as áreas, pesquisadores e todos aqueles que puderem contribuir para uma
escola em que seus alunos possam aprender muito e com alegria. Crianças motivadas, felizes, cada vez mais
autônomas e realizadas por perceberem diariamente que estão aprendendo e
desenvolvendo-se. Crianças que possam dizer: “Aprendi coisas bem legais hoje.
Foi muito divertido”.
E antes que os críticos de
plantão se manifestem, quero afirmar que não defendo uma escola voltada ao
prazer, tampouco superficial, mas uma escola que ajude as crianças a
desenvolver autonomia de pensamento, criatividade, inteligência, conhecimento
sobre o mundo e uma disposição cada vez mais positiva em relação ao ato de estudar
e aprender por conta própria.
Fico feliz só por imaginar uma
escola assim.
É por meio da nossa voz, a voz
dos educadores comprometidos com uma educação de verdade, que mudanças efetivas
(e não apenas legislativas) poderão vir a acontecer. Eu continuo acreditando!
Marcos Meier é psicólogo, professor, mestre em educação, escritor e
palestrante. Contatos pelo site www.marcosmeier.com.br
4 comentários:
...como não comentar um texto que retrata a realidade das nossas salas de aula, que bom mesmo se todos os envolvidos com EDUCAÇÃO pudessem de fato repensar, replanejar e quem sabe mudar esse triste resultado das escolas primárias...
Quero aproveitar o ensejo e reiterar o que já disse antes e, inclusive foi publicado..http://considerasobreeducacao.blogspot.com.br/p/de-olho-no-futuro.html
O quê mais me chamou atenção no apresentado foi o preciso ensinamento da decisão do juiz de direito da Justiça Federal de Pernanbuco, digna de aplausos, na minha pequena opinião, especialmente, pois, não é um profissional envolvido com os problemas da escola pública. http://g1.globo.com/pernambuco/vestibular-e-educacao/noticia/2012/04/justica-federal-autoriza-matricula-de-criancas-menores-de-6-anos-no-pais.html
Professores tristes e desmotivados geram alunos tristes e desmotivadores que por sua vêz, gerarão uma sociedade triiste e desmotivada, mas precisamente, um sociadade des valores corrompidos.
Atuar na escola resolve a questão?
A História ensina que sociedades corrompidas ou destruídas por catástrofes naturais, ou revés econômico ou guerras e lutas, se erguem com maior vigor quando criam um pacto ético entre seus cidadãos e suas instituições, no Brasil algo muito difícil, devido a grande diversidade cultural.
Mesmo sob este óbcie ainda entendo que enquanto não cobrada a Ètica nas Escolas, nas institucições e pessoas, não sairemos deste Imbróglio, pois a ética atenua aspectos comportamentais, sociais e psicológicos na atividade desempenhada pelos operadores na escola.
Amáfi Gonzaga
educacao@consultant.com
Marcos,
tá difícil fugir da escola superficial. Se não é na decoreba é na escola show... apenas entreter as crianças.
Precisamos de referências.
Alexandre Etchechurry Ferreira
http://jonasnimrod.blogspot.com.br/
http://semeiaecolhe.blogspot.com.br/
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