quarta-feira, 28 de julho de 2010

Um conto e uma Crush.


 
Quando eu estava no Ensino Fundamental, minha professora de Português desafiou-nos a escrever um conto. Tinha que ser algo especial, só nosso. Não poderíamos copiar, tínhamos que inventar.

Fiquei tão feliz com a possibilidade que no caminho de casa fui imaginando toda a história e, ao chegar, fui logo escrevê-la.
“Era uma vez um menino que queria muito ir até uma ilha que podia ser avistada do litoral, onde morava. Todas as vezes que ele tentou ir, não conseguiu. A ilha simplesmente diminuía de tamanho e desaparecia com a aproximação. Era impossível chegar até ela. No entanto, a vontade de conhecê-la nunca desapareceu.
Certo dia, o menino estava na beira da praia, olhando para a ilha, quando deu um passo para trás. Imediatamente a ilha aumentou de tamanho! Deu mais alguns passos para trás quando encostou numa árvore estranha, diferente, que ele jamais tinha visto. PLIM! Desapareceu da praia e apareceu lá na ilha. A árvore era um portal dimensional! ...”
A história continuava. Havia seres fantásticos, lugares maravilhosos, poderes mágicos e toda sorte de elementos que fazem uma história ser inesquecível.


Apostei uma Crush, antigo refrigerante de laranja, que a professora iria ler minha história para toda a turma, pois estava muito bem escrita, era uma história digna de prêmio. Meu amigo apostou que a professora não leria meu conto.

Duas semanas depois, a professora entrou na sala com um pacote de folhas de papel. Eram os contos. De imediato, meus amigos me provocaram: “vai pagar a Crush hoje!” diziam debochadamente.
A professora entregava os contos falando a cada um: “muito bom”, “parabéns”, e outros pequenos comentários elogiosos. Ao chegar a minha vez, aproximou-se e me entregou o conto. Ainda lembro da cena, da voz, do cheiro da sala, do riso dos colegas e da expressão de superioridade da minha professora. Ela simplesmente disse: “Podia ter errado menos, né Marcos?”
Apressado, fui olhar a nota recebida: 7,5 e mais nada. Nenhuma observação quanto à criatividade, imaginação, coesão textual, ou qualquer outro incentivo à escrita. Apenas palavras riscadas com caneta vermelha, ortograficamente erradas. Havia trocado x por ch, z por s e outros erros que hoje o “Word” corrige automaticamente, visto que ainda os cometo. Mas meu computador não me dá ideias, nem o contexto, nem a história. A escola conseguiu fazer com que toda minha motivação para a escrita fosse enterrada no lamaçal da gramática e da ortografia. Passei a escrever textos ortograficamente corretos e extremamente pobres de conteúdo. “O menino gosta da bola. A bola é verde...” Sequer tentava a cor azul, pois poderia errar, trocando z por s. De 7,5 logo passei para 9,5 ou 10.
Apesar de ter sido um “caso isolado”, representa o que acontece na escola: a supervalorização da forma em detrimento do conteúdo. Isso simplesmente acaba com a motivação dos alunos, com o prazer de estudar, de criar, de investir por conta própria nos estudos. É a celebração da mediocridade. Alunos apáticos, produzindo “o necessário para passar”, nada mais do que isso e professores contentes com produções paupérrimas. O aluno que tentar sair do marasmo da média seus colegas já o chamam de “nerd” como se o empenho e a inteligência fossem algo negativo. E a mediocridade continua sendo o clima, aceito por alunos e professores.
Há, no entanto, uma saída: aulas diferentes, centradas na troca, no diálogo, na produção, no empenho, na realização e na construção de conteúdos relevantes. Aulas criativas que trazem aos alunos um forte sentimento de realização pessoal por estar aprendendo e se desenvolvendo. Muitos professores já agem assim, mas uma grande parte ainda não. Não aprenderam na faculdade e acabam reproduzindo o mesmo modelo de sempre.
Tais professores precisam de formação continuada para aprender o prazer de ensinar e ensinar o prazer de aprender. As aulas começarão a despertar escritores, cientistas, filósofos, artistas, atletas e tantos outros caminhos para a realização pessoal.
Apesar da escola, tornei-me escritor. Tive outros professores, apaixonados pela vida e pelo ser humano.
Ah, paguei a Crush.


(MARCOS MEIER)